quarta-feira, 21 de março de 2012

UM SOCIALISTA CONTRA O ABORTO

Colhido e traduzido por mim a partir de http://www.cope.es/29-12-08--un_socialista_aborto_bobbio,26229,1,noticia_ampliada

O filósofo socialista italiano Norberto Bobbio (1909-2004) deu uma entrevista ao jornal "Il Corriere della Sera" em 8 de maio de 1981, quando a Itália levantou a hipótese de legalização do aborto. Bobbio mostrou naquela época que se pode ser socialista e ser contra o aborto. Além disso, para ele, o irracional é ser a favor, seja qual for a escolha ideológica. Por seu extraordinário interesse no momento presente, reproduzimos a substância da entrevista. 

"Eu estou surpreso que os leigos deixem aos crentes o privilégio e a honra de dizer que não se deve matar", disse o filósofo socialista italiano Norberto Bobbio (1909-2004) em entrevista ao Il Corriere della Sera em maio de 1981, quando se pleiteou na Itália uma eventual legalização do aborto.
Bobbio demonstrou como se pode ser socialista e mesmo assim ser contra o aborto. Além disso, para ele, é irracional ser a favor do aborto, seja qual for a escolha ideológica. Por seu extraordinário interesse no momento presente, e o efeito de suas palavras, apesar da passagem do tempo, aqui reproduzimos o essencial dessa entrevista.

Norberto Bobbio: Eu não gosto de falar sobre este tema do aborto. É um problema muito difícil, um problema típico em que estamos diante de um conflito de direitos e deveres.


Corriere della Sera : Quais são os direitos e deveres que estão em conflito?



NB: Em primeiro lugar o direito fundamental do nascituro, o direito de nascer, sobre o qual, creio eu, não se pode transigir. É o mesmo direito em cujo nome sou contra a pena de morte. Você pode falar sobre descriminalização do aborto, mas não pode ser moralmente indiferente ao aborto.



CDS: Você fala de direitos e não de um único direito.



NB: Há também o direito da mulher a não ser sacrificada por uma criança que não quer. Mas há um terceiro direito: o da sociedade, o direito da sociedade em geral e das sociedades em particular a não se tornarem superpovoadas, a exercer o controle da natalidade.



CDS: Você não acha que, colocadas as coisas desta forma, o conflito entre esses direitos é inconciliável?



NB : Claro, são direitos incompatíveis. E quando se é confrontado com direitos incompatíveis, a escolha é sempre dolorosa.



CDS: Mas você tem que decidir.



NB : Eu falei de três direitos. O primeiro, o do nascituro, é o fundamental; os outros, o da mulher e o da sociedade, são diretos derivados. Por outro lado, e para mim este é o ponto central, o direito das mulheres e da sociedade, muitas vezes usado para justificar o aborto, pode ser atendido sem o recurso ao aborto, impedindo a concepção. Mas uma vez havida a concepção, o direito do feto só pode ser satisfeito deixando-o nascer.



CDS: Qual é a sua crítica à lei 194 [lei italiana sobre o aborto]?



NB :. O seu primeiro artigo diz que o Estado ", garante o direito à procriação consciente e responsável." Eu acho que, este direito só se justifica se se afirmar e se aceitar o dever de um relacionamento sexual consciente e responsável, isto é, entre pessoas que conhecem as conseqüências de suas ações e estão dispostas a assumir as obrigações delas decorrentes. Reenviar a solução para o momento em que a concepção já tenha ocorrido, isto é, quando as consequências que se podiam evitar não se evitaram, parece-me algo como fugir da profundidade do problema (...).



CDS: E se revogando a  lei, não voltarímos ao drama e à injustiça do aborto ilegal? O aborto é uma triste realidade, não pode ser negado.



NB :. O fato de que o índice de abortos seja alto é um argumento debilíssimo do ponto de vista jurídico e moral. Me surpreende que seja adotado com tanta freqüência. Os homens são como são, mas é por isso que há a moral e o direito. O índice de roubo de carros, por exemplo, é muito alto e é algo já quase impune, mas isso legitima o roubo? (...). 



CDS: Existem ações moralmente ilícitas, mas que não são consideradas ilegítimas?



NB: Com certeza. Menciono sexo em várias formas, a infidelidade, a prostituição em si. Permita-me lembrar o Ensaio Sobre a Liberdade, de Stuart Mill. São palavras escritas há mais de cem anos, mas atualíssimas. O direito, segundo Stuart Mill, deve se preocupar com as ações que causam danos à sociedade: "O bem do indivíduo, seja física ou moral, não é justificativa suficiente."



CDS: Você pode aplicar isso também no caso do aborto?



NB: Também diz Stuart Mill: "Sobre si mesmo, sobre sua mente e corpo, o indivíduo é soberano". Agora as feministas dizem: "Meu corpo é meu e nele eu mando." Parece uma perfeita aplicação deste princípio. Mas eu digo para aplicar esse raciocínio para o aborto é abominável. O indivíduo é único, singular, mas no caso do aborto há um "outro" no corpo da mulher. O suicida dispõe de sua própria vida. Com o aborto se dispõe de uma vida alheia.



CdS : Toda a sua longa atividade, professor Bobbio, seus livros, seus ensinamentos, são o testemunho de um espírito fortemente secular. Você pode imaginar a surpresa no mundo secular por suas observações?



NB: Eu não vejo o que pode ser surpresa no fato de que um leigo considere como válido em sentido absoluto, como um imperativo categórico, o "não matar". E eu também estou surpreso que os leigos deixem aos crentes o privilégio e a honra de dizer que não se deve matar.

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